A TEORIA PLATÔNICA DO CONHECIMENTO NA "REPÚBLICA" E NA
"CARTA VII".
(Ricardo Evandro S. Martins, 24/03/16)
Para podermos tratar de uma Teoria do conhecimento em Platão, é
preciso, antes, que se retome o problema da alteridade herdado de Parmênides. A
antiga questão entre ser e “o outro diverso”, isto é, entre o ser uno dos
eleáticos e o problema daquilo “que não é” e do “que vem a ser”, fez parte das
especulações platônicas. Segundo Molinaro, Platão pôde clarificar tal questão.
Platão está essencialmente de acordo com Parmênides quanto á questão da Verdade
ser “aquilo que verdadeiramente é”, ou seja, que possui características como
necessidade, imobilidade e eternidade. Trata-se do mundo inteligível, alcançado
pelo exercício especulativo (a “segunda navegação”). (MOLINARO, 2002).
Assim, pode-se considerar que Platão reabilita a necessidade e
incorruptibilidade da Verdade enquanto Ser de Parmênides. Contudo, a
originalidade da Filosofia platônica está na formulação de que além do mundo
inteligível, o mundo do ser, em que os entes "são" verdadeiramente
enquanto formas puras, haveria de se perceber, também, o mundo sensível. O
mundo sensível, ao contrário do mundo das formas, é o mundo material, em que a
corrupção das coisas impera. O “diverso” do Ser se mostra neste mundo onde tudo
“aparenta ser”, “aparecendo”. A contradição evidente entre a eternidade e
imobilidade do Ser diante à perenidade e o movimento das coisas sensíveis foi
solucionada por Platão por meio da chamada Teoria dos mundos. E é a perspectiva
dualista de Platão que explica a sua Teoria do conhecimento. Pois o exercício
da Filosofia para Platão, enquanto busca erótica pela Verdade, perpassa também
pela teorização sobre o caminho à Verdade do Ser.
A Teoria platônica do conhecimento pode ser encontrada no
diálogo "A República". Nesta emblemática obra do corpo bibliográfico
do filósofo ateniense se pode encontrar a formulação da Teoria dos mundos e de
como um filósofo pode ter acesso às formas. Para Platão, “conhecer” é acessar a
Verdade do mundo ideal. As ideias, ou, ainda, as formas, não se tratam de um
ambiente estacionado em um mundo distante, “mágico”. A Filosofia platônica,
como legítima herdeira da querela Heráclito-Parmênides, lida com a questão do
logos, da linguagem, dos “entes que são” expressos verbalmente pelas palavras.
(PLATÃO, 2002).
Assim, o mundo inteligível é o mundo em que simples objetos como
“mesa”, “cadeira”, “caneta”, e até entes mais complexos, como “Justiça”,
“Coragem”, “virtude”, “Bem”, possuem uma conceito definido, uma forma própria
("eidos") e imutável. Estas formas são os conceitos abstratos de cada
objeto-palavra. Deste modo, apesar de no mundo sensível se poder encontrar
diversos tipos de mesas, com variadas cores e modelos, é preciso saber o que dá
ao homem a certeza de que todos estes objetos podem ser chamados de “mesa”.
Isto pressupõe uma essência, uma forma, que subsiste apesar da multiplicidade.
E, como não poderia deixar de ser, pois, do contrário, a Filosofia seria
impossível, estas formas são acessíveis, quer dizer, inteligíveis pela
especulação filosófica. Mas resta saber como o filósofo, que vive no mundo
sensível, já que possui um corpo tão corruptível quanto às coisas no mundo
sublunar, pode conhecer a verdade?
A chamada “Alegoria da caverna” mostra muito bem o processo de
“acesso” do filósofo ao mundo inteligível. Este “acesso” é, na realidade, um
processo de “ascese”. Trata-se de um processo em que o filósofo precisa
forma-se, preparando o espírito para o conhecimento daquilo que é real,
verdadeiro: o ser. O mundo inteligível só pode ser conhecido por quem está no
mesmo nível de abstração. Como o homem é dotado de corpo e alma, a sua parte
eterna, que opera por meio da especulação teórica, pode conhecer a forma
essencial da “mesa” e também da “justiça”. O prisioneiro que, antes, acreditava
que as sombras que enxergava na caverna era o real, ao sair de lá, tendo acesso
à luz do dia, pôde perceber que a sua “realidade” não passava de sombras,
aparências do Ser. Mas este processo de “saída da caverna” exige do homem,
enquanto amante da sabedoria, da verdade, um exercício de inteligência
auxiliada pela dialética. O processo de “dar à luz” ("maiêutica") aos
conceitos por meio do diálogo feito entre perguntas e respostas
("elenchós") é o “caminho” para o conhecimento do que “as coisas
são”. Da Verdade dos entes. (PLATÃO, 2014).
Esta posição do parágrafo anterior é o que Platão traz em sua
Carta VII. O conhecimento não virá ao filósofo por meio de dádiva. É preciso
fazer com que ele se lembre da sua existência espiritual, quando conhecia tudo,
antes de sua “queda”, para que rememore ("anamnese") o que no fundo
já sabe. No entanto, este processo de ascese por meio da rememoração da vida
espiritual exige um esforço argumentativo, dialético. A “segunda navegação”, ou
seja, a especulação filosófica, demanda certa “fricção de argumentos” para que
o “fogo” do conhecimento seja aceso. Por isto, Platão, na ocasião de sua Carta
ao Díon, alega que a linguagem escrita não supera o aprendizado por meio do
procedimento de perguntas e respostas entre as pessoas que procuram a verdade.
Neste ponto, o aprendizado, a formação humana ("paideia"), que
constituirá a humanidade de uma pessoa, demanda esta vivência pedagógica que
está além do estudo pela leitura de textos.
Deste modo, pode-se concluir que, para Platão, o conhecimento
exige a “segunda navegação” guiada pelo método dialético, em que as ideias são
“paridas” por meio do jogo de perguntas e respostas. O “parto” destas ideias
também não deixa de ser um processo de recordação de um tempo em que a nossa
alma imortal acessava a essência das coisas do mundo sensível. Com isto,
pode-se constatar que a Teoria platônica da verdade exige um “olhar”
especulativo para além do mundo sem realidade ontológica. Exige-se um olhar
para o mundo das formas inteligíveis, em que a nossa inteligência, o espírito,
possui identidade substancial. Mas um olhar especulativo que exige dialética,
refutação, jogo livre de perguntas e de respostas.
REFERÊNCIA
MOLINARO, Aniceto. Metafísica: curso sistemático. São Paulo:
Paulus, 2002.
PLATÃO. A República. 3. ed. Belém: EDUFPA, 2000.
______. Carta VII. Disponível em: http://platon.hyperlogos.info/Platon-Carta-VII.
Acesso em: maio de 2014.
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Publicado por Ricardo Evandro Martins em Quinta, 24 de março de 2016