quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Nunca lerás (Haikais em série).

Só tive uma dança,
Me desejei uma dança.
Me conseguiste por todo.

Mão nas tuas costas,
Meu nariz no teu cabelo.
Firmes, palmas juntas.

Uma frase, ou duas.
Vem o fim da minha música.
Frágeis, as lembranças.

Odores perdidos.
Também teu nome perdido.
Meus Poemas por dito.



segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O homem estátua 3

O Homem estátua ficou paralizado. E não pelo corpo que permanecia sobre banco enquanto sua mente percorria a memória da praça, nem pelos olhos que continuavam piscando para dar sinal de vida ao corpo metálico que agora se questionava em suas profundezas. Sua paralisia era uma constatação, um assombramento. Ele sabia que tinha dentro de si um segredo qualquer. E era uma coisa tão simples e ao mesmo tempo tão linda que o faria do alto da mangueira mais alta derramar poesia sobre toda a cidade, tal era a força do sentimento que portava. E quanto mais forte pulsava em seu peito aquela dor, aquela agonia de ver correr-lhe alguma coisa da alma, mais forte eram os grilhões que lhe prendiam ao silêncio, como se estivesse condenado para sempre à mera contemplação da vida.
Foi quando o homem estátua percebeu que portar este segredo, essa vontade de não sei o quê que sentia dentro de si e que era só dele, era como portar também sua incomunicabilidade. Algo de amargo lhe desceu pela garganta. E, por um minuto, olhou o céu como se não vivesse. Deixou-se então encantar um pouco mais com o resto de dia que ficava daqueles que haviam passado, deixando suas histórias, suas maneiras e seus passos. Ele sabia que sairia dali e mais uma vez percorreria a mesma rua, sentiria o mesmo cheiro da baía e confidenciaria o mesmo segredo com as proas, tentando quem sabe imaginar as histórias que deram nome aos barcos. Mais uma vez nada teria para dizer e tudo conteria dentro de seu infinito incomunicável. O homem estátua sentiu-se só. Desceu do banco, guardou seus pertences e fechou a maleta. As lágrimas que lhe caiam no rosto começaram a borrar levemente a maquiagem. Neste dia, o homem estátua chorou baixinho, como só se chora em Belém do Pará.

David Carneiro, em 21/11/09

O homem estátua 2


Enquanto as horas iam passando, o homem estátua era brindado e castigado pelo Sol, experimentado por crianças curiosas e friamente abraçado por turistas ávidos de recordações da cidade das mangueiras e seus homens estátua que nada tinham de diferente, a não ser pelo ar de profunda solidão. Ele não se importava. Cumpria com diligência e probidade todos os artigos do código de postura das estátuas, quem sabe com intento de ganhar o prêmio de Estátua do Ano ou mesmo pelo compromisso republicano firmado na Estatuinte. Só não gostava mesmo quando, ávidos por fotos ou cheios de curiosidade, os transeuntes não o deixavam ver os namorados que passavam.
Logo eles? Aqueles namorados com as mãos dadas, com aqueles rostos igualmente dados um ao outro, com aquela altivez e com aquela alegria meio boba de se bastarem a si mesmos? Como eram lindos aqueles casais! Por nada no mundo perderia um espetáculo desses. Às vezes exuberantes, às vezes tímidos, não se cansavam nunca de emprestar seu vermelho ao verde da grama, sua poesia aos coretos desbotados e suas poucas economias aos artesãos paroaras, que em madeira ou arame, com enfeites de laço ou coração, lhes apresentavam símbolos de amor, não raro contendo a inscrição: funalo e funala. E então o homem estátua pensava como seria se, de repente, no calor daquelas manhãs da praça, em meio aos coretos, fontes e monumentos pudesse surgir do céu uma lua prateada. Como ficariam ainda mais felizes aqueles casais que descobriam agora o infinito do momento a dois ou simplesmente o redescobriam depois de muitos e muitos anos de distância.
O homem estátua tinha mesmo devaneios, talvez fosse um louco ou um poeta. Pensava inclusive em escrever suas memórias. Não suas, exatamente, pois na realidade achava mesmo que não havia nada de emocionante em sua vida que valesse à pena contar. Ele, homem solitário, sem passado e com um presente um tanto trivial, queria era contar histórias de palhaços, de crianças sem brinquedo, de casais apaixonados, de bêbados alucinados ou mesmo de irmãzinhas franciscanas que socorriam os pobres da praça. Começou a pensar nas primeiras linhas dos escritos, em um exercício mental de fazer dó. Mas nada lhe ocorria à mente. Tinha idéias fabulosas, mas bastava pensar em como pô-las no papel e nada, era como se subitamente tudo lhe escapasse entre os dedos. Isso não lhe parecia justo. Como aquela força estranha que lhe rasgava o peito, que lhe fazia suspirar e, por vezes, cair em lágrimas não conseguia encontrar as palavras certas para vir ao mundo?

O homem estátua 1



Seguia calmamente pela rua naquela manhã de domingo. Horas antes, ainda bem cedo, quando mesmo o sol hesitava em afrontar-lhe o corpo, ele já havia levantado. Não conseguiu dormir bem naquela noite. Mas isso já não era novidade. Ainda sentado em sua cama, observava cada canto do cômodo, procurando qualquer coisa que sabia bem não poder encontrar ali. Por algum motivo, soluçou subitamente e colocou o rosto entre as mãos. Permaneceu assim durante alguns minutos. Em qualquer impulso que veio sabe-se lá de onde, resolveu levantar da cama e enfrentar o dia que nascia. Era mais um dia.
Depois do banho, começou a passar a maquiagem prateada no rosto. O frio da tinta arrepiava sua pele como quem machuca de leve, dando a impressão que todas as suas expressões se congelariam em breve. E, de certa forma, assim o era. Quando a tinta começava a se espalhar pelo corpo, já não havia sentimento em sua alma que não sofresse um certo recrudescimento. Se antes latejavam em sua pele como quem quisesse fugir desesperadamente pelos poros, agora se aquietavam em uma resignação consternadora. A tinta tomava conta do seu corpo. E, alguns minutos, o homem estátua se apresentava em frente ao espelho.
Carregando um chapéu e sua velha mala, ele caminhava em direção à praça. As mangueiras, ainda tímidas, só eram perturbadas pelos cantos dos pássaros da manhã e pela brisa fraca que vinha cumprimentar as folhas. As barracas começavam a ser armadas e já se ouviam as primeiras buzinas e assopros de flautas andinas. Ele olhava o abismo vertical dos prédios, tentando lidar bravamente com a vertigem que o seduzia, procurava engolir com suspiros a nostalgia do sábado e cantarolava qualquer canção que falasse em solidão. As crianças, os pais e os cachorros começavam a chegar. Chegavam também os namorados, os manifestantes e os pedintes que se punham em sentinela. O homem estátua também precisava assumir seu posto.
Do alto de seu banco, fazendo uma pose de rei, ele observava agora as pessoas que passavam de um lado para o outro, agradecendo em gestos tímidos pelas moedas que recebia e mudando subitamente de posição, para o desespero de alguns velinhos que se quedavam assustados. Parou para ouvir o profeta, uma de suas personagens preferidas, pelo qual todos passavam sem dar notícia e com um certo ar de desprezo, a não ser por alguns que não resistiam em fazer gracejos ou xingamentos. “E se estivermos todos errados?”, pensava. “E se nós é que formos os loucos?”. Perguntas como essas sempre lhe davam na veneta. E se prestava então a ouvir humildemente, repetidamente, dia após dia, aquelas sentenças herméticas e palavras sem sentido, tentando arrancar um fio de cabelo que dissesse alguma coisa sobre a vida.

Poema Simples



Ah Maria! Não queria te falar assim de angústia
Nem da pressa desses dias que me jogam contra o tempo
Sei que é preciso que haja um pouco mistério em tudo isso
Mas meus olhos de saudade já não mentem
E nada disso poderei te dar agora...

Só tenho comigo uma cartinha e uma flor
Quem sabe um animalzinho de origami
Não vale mais que um mistério, é verdade
Mas um sorriso teu e tudo feito...
Talvez consiga até te conquistar.
Mas você não me aparece Maria!
Você precisava ser assim tão louca?
Mesmo assim não nego que te quero.

E desconfio que aquele que pediu pra amar baixinho
Ou era casado ou era bem velinho.
E não me importo que me quebrem os telhados
E que fiquem surdos os passarinhos
Quero te amar agora
Com todos os sentidos
Sem mais devagarinho.

David Carneiro 16/11/09

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

A falta da pele

Os versos mentirosos contaram ser a tristeza coisa triste
Mal sabiam os poetas charlatões
Que a saudade é tristeza pior que a tristeza
É mal pior que a doença

Me assombras a falta de forma peculiar
Em um aperto no ventre
Em um pensamento pragmático
E um delírio das razões

Benzinho, as noites sem ti nem noites são
Me fazes falta o toque
O olho
A mente
A maneira
E o beijo

As noites sem ti são, no máximo, só noites
Sem tantas alegrias
Com quase nenhuma vontade.
Despidas de desejo
E pobres de festa

A saudade é bactéria
Contamina-me de tristeza
De vontade do que não posso
De saudade das tuas posses
Das tuas ordens
Das tuas vontades fúteis de segurar minha mão

Eu mal consigo pensar
Sou ralo em inspirações
Raso em poesia
És o fermento da minha criatividade
Os versos que componho em pura exaltação do amor

És o amor em si
Por isso amo o amor
És a presença
Por isso não vivo sem esta

És meu infinito que busca o seu começo
És um começo já dado, mas que pressente a sua verdadeira largada
Começaste breve, em oito dias
Retumbaste grave em um ano
E reverberarás por toda a minha vida.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Acolhida

Ele aproximou-se de mansinho
Sem nenhuma pressa para chegar
E se aconchegou tão devagarzinho
Que fui, distraída, deixando-o ficar

Por diversas vezes me prometi
Que não o deixaria ali demorar
O tempo passou... E eu não percebi...
Quando dei por mim, já era o seu lar

Dei àquele moço o espaço que queria
Ainda mais espaço lhe cederia
Se ele me pedisse, sem hesitar

Se eu quiçá previsse naquele dia
O quanto me agrada sua companhia
Jamais o teria deixado entrar

Soneto da madrugada

Por que és, por que és o fogo e as horas
Minha medida, sem medida em mim
Porque aqui, não ali, são meus agora,
Os teus passos sem abraços e fim?

Qual gesto, tu me deixas, se tu choras
Fecha os olhos e as mãos e o meu ruim
O que morre, senão morre ou demora,
O que arranco antes mesmo de ser sim?

Pela noite, dormes onde desperto,
E fugindo eu chego, quando eu te ouço,
Da luz ao longe a ti já estou deserto...

Com a lua invado teu calabouço
E contigo eu deito se eu estiver perto,
Te trazendo estrelas pelo meu bolso.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Medo de acordar,
Do frio da manhã,
Do calor seguinte,
Do peso do corpo.

Medo de deitar,
Do frio da cama,
Do calor da mente,
Dos sonhos.

Medo de chorar,
Do frio das lágrimas,
Do calor do rosto,
Do rosto corado.

Medo de olhar,
Do frio do espelho,
Do calor da luz,
De vencer...