Seguia calmamente pela rua naquela manhã de domingo. Horas antes, ainda bem cedo, quando mesmo o sol hesitava em afrontar-lhe o corpo, ele já havia levantado. Não conseguiu dormir bem naquela noite. Mas isso já não era novidade. Ainda sentado em sua cama, observava cada canto do cômodo, procurando qualquer coisa que sabia bem não poder encontrar ali. Por algum motivo, soluçou subitamente e colocou o rosto entre as mãos. Permaneceu assim durante alguns minutos. Em qualquer impulso que veio sabe-se lá de onde, resolveu levantar da cama e enfrentar o dia que nascia. Era mais um dia.
Depois do banho, começou a passar a maquiagem prateada no rosto. O frio da tinta arrepiava sua pele como quem machuca de leve, dando a impressão que todas as suas expressões se congelariam em breve. E, de certa forma, assim o era. Quando a tinta começava a se espalhar pelo corpo, já não havia sentimento em sua alma que não sofresse um certo recrudescimento. Se antes latejavam em sua pele como quem quisesse fugir desesperadamente pelos poros, agora se aquietavam em uma resignação consternadora. A tinta tomava conta do seu corpo. E, alguns minutos, o homem estátua se apresentava em frente ao espelho.
Carregando um chapéu e sua velha mala, ele caminhava em direção à praça. As mangueiras, ainda tímidas, só eram perturbadas pelos cantos dos pássaros da manhã e pela brisa fraca que vinha cumprimentar as folhas. As barracas começavam a ser armadas e já se ouviam as primeiras buzinas e assopros de flautas andinas. Ele olhava o abismo vertical dos prédios, tentando lidar bravamente com a vertigem que o seduzia, procurava engolir com suspiros a nostalgia do sábado e cantarolava qualquer canção que falasse em solidão. As crianças, os pais e os cachorros começavam a chegar. Chegavam também os namorados, os manifestantes e os pedintes que se punham em sentinela. O homem estátua também precisava assumir seu posto.
Do alto de seu banco, fazendo uma pose de rei, ele observava agora as pessoas que passavam de um lado para o outro, agradecendo em gestos tímidos pelas moedas que recebia e mudando subitamente de posição, para o desespero de alguns velinhos que se quedavam assustados. Parou para ouvir o profeta, uma de suas personagens preferidas, pelo qual todos passavam sem dar notícia e com um certo ar de desprezo, a não ser por alguns que não resistiam em fazer gracejos ou xingamentos. “E se estivermos todos errados?”, pensava. “E se nós é que formos os loucos?”. Perguntas como essas sempre lhe davam na veneta. E se prestava então a ouvir humildemente, repetidamente, dia após dia, aquelas sentenças herméticas e palavras sem sentido, tentando arrancar um fio de cabelo que dissesse alguma coisa sobre a vida.
Muito bom david!!!!!!!!!
ResponderExcluirRealizaei as cenas com muita facilidade!!
Escreves muito bem!!!
Parabésn!!!
Primeira prosa do Prosas da Amazonia!