segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O homem estátua 2


Enquanto as horas iam passando, o homem estátua era brindado e castigado pelo Sol, experimentado por crianças curiosas e friamente abraçado por turistas ávidos de recordações da cidade das mangueiras e seus homens estátua que nada tinham de diferente, a não ser pelo ar de profunda solidão. Ele não se importava. Cumpria com diligência e probidade todos os artigos do código de postura das estátuas, quem sabe com intento de ganhar o prêmio de Estátua do Ano ou mesmo pelo compromisso republicano firmado na Estatuinte. Só não gostava mesmo quando, ávidos por fotos ou cheios de curiosidade, os transeuntes não o deixavam ver os namorados que passavam.
Logo eles? Aqueles namorados com as mãos dadas, com aqueles rostos igualmente dados um ao outro, com aquela altivez e com aquela alegria meio boba de se bastarem a si mesmos? Como eram lindos aqueles casais! Por nada no mundo perderia um espetáculo desses. Às vezes exuberantes, às vezes tímidos, não se cansavam nunca de emprestar seu vermelho ao verde da grama, sua poesia aos coretos desbotados e suas poucas economias aos artesãos paroaras, que em madeira ou arame, com enfeites de laço ou coração, lhes apresentavam símbolos de amor, não raro contendo a inscrição: funalo e funala. E então o homem estátua pensava como seria se, de repente, no calor daquelas manhãs da praça, em meio aos coretos, fontes e monumentos pudesse surgir do céu uma lua prateada. Como ficariam ainda mais felizes aqueles casais que descobriam agora o infinito do momento a dois ou simplesmente o redescobriam depois de muitos e muitos anos de distância.
O homem estátua tinha mesmo devaneios, talvez fosse um louco ou um poeta. Pensava inclusive em escrever suas memórias. Não suas, exatamente, pois na realidade achava mesmo que não havia nada de emocionante em sua vida que valesse à pena contar. Ele, homem solitário, sem passado e com um presente um tanto trivial, queria era contar histórias de palhaços, de crianças sem brinquedo, de casais apaixonados, de bêbados alucinados ou mesmo de irmãzinhas franciscanas que socorriam os pobres da praça. Começou a pensar nas primeiras linhas dos escritos, em um exercício mental de fazer dó. Mas nada lhe ocorria à mente. Tinha idéias fabulosas, mas bastava pensar em como pô-las no papel e nada, era como se subitamente tudo lhe escapasse entre os dedos. Isso não lhe parecia justo. Como aquela força estranha que lhe rasgava o peito, que lhe fazia suspirar e, por vezes, cair em lágrimas não conseguia encontrar as palavras certas para vir ao mundo?

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