quinta-feira, 28 de abril de 2011

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Ontem marquei meu corpo

Marquei com algo definitivo

Com algo que assombraria os olhos vãos

Os olhos que são só do agora


Eu feri minha pele

Com uma marca mais antiga do que a ferida

Marquei-me com o símbolo da completude

Da interminável razão do pêndulo nosso


Com o ícone das tuas veias pulsantes

Dos teus sinais inebriantes

E de um sorriso que cega


Inspiro-me no teu paradigma de naturalidade

Na tua busca incessante pelo tudo

Entendendo a natureza das coisas

Sem contentar-se com as migalhas


Ah meu bem, a ferida ainda me dói

A cicatriz coça

E a cada martírio da pele

Eu sinto a doçura das tuas mãos em mim


Eu vejo na saudade das bocas

Na degustação das nossas salivas

A esperança inabalável das nossas mentes

E a progressão incessante dos nossos amores


Eu parti pelo ter

Não pelo querer

E na razão contida nos meus olhos

E a paixão irrompida em meu peito

Eu retornarei a algo que desde seu principio é sem retorno


Meu bem eu tive todas as razões para te deixar

Momentaneamente te deixar

Mas tive só uma pra permanecer

E permaneci

Insculpido em teu peito

Marcado em tua pele

Com a mais doce lembrança do que nunca precisa ser lembrado

Daquilo que jamais é esquecido

O infinito pródigo do nosso amor.

domingo, 17 de abril de 2011

CORDEL DO HOMEM DA NOITE


Criança eu queria a noite

Poeta sou de nascido

O pinho peguei de ouvido

Malandro, fugi do açoite


A noite hoje é criança

E o tempo me fez cachorro

Que gosta do som do choro

Da moça que o amor balança


Na doce ilusão dos goles

Afogo-me na imprudência

Garganta sente a ardência

De amargas bebidas torpes


Sou jovem, me sinto forte

Tem muito, dá pra gastar

Um trago não vai matar

Sem medo brinco com a s(m)orte


Me atrevo, me entrego aos vícios

Seresto na madrugada

Na boa fina vanguarda

De um Baden e de um Vinícius


Soberbo por entre os bares

Sobraço meus bons poetas

Gular, dentre outros profétas

Declamo altivo aos ares


Um pingo de álcool molha

A pagina aberta à mesa

Brindou roda viva sexta

Alegres todos em volta


A voz de um de nós da roda

Irrompe percuciente

Por entre os murmurios quentes:

"Salve boemia nossa!"


Na roda há linda moça

Que fito não sem maldade

Mais jovem, que bela idade

Vou dar-lhe uma boa bossa


Tem só dezenove aninhos

Seus olhos respondem aos meus

Seu corpo, obra de Deus

Já cabe nos meus carinhos


Direito, faz faculdade

Porém, o que hoje precisa:

De um bom professor da vida

Que ronde pela cidade


E olhar que dá trela a cão

É rápido enternecido

Pois, cão, de olhar bandido

Derrete bom coração


O cão se dirige a ela

Mansinho, um beijinho clama

Um "sim" dá desfecho à trama

É pinta nova paquera


Com dedos entrelaçados

Cachorro e sua nova dona

E esta reluz em chama

Se vão do bar enlevados


Agora, sós, no recinto

O cão será bon seller

E a moça será mulher

Farei e não me ressinto


Farei pois, se hoje não faço

Aí pela madrugada

Madrugam bons vira latas

Que fazem se o outro é fraco


Voltando ao nosso recinto...

Está tudo uma penumbra

Silêncio, uma catacumba

Molhado seu beijo sinto


Sem pressa, lhe mostro o pinho

Do bag saltei pra fora

Um pouco sua face cora

No braço ela faz carinho


Com dedos lhe toco as cordas

Produzo-lhe um som gostoso

Deleita-se ela em gozo

Penetro-lhe a bossa nova


Balanço cadenciado

Dá ritmo aos nossos corpos

Vermelha, ela fecha os olhos

Eu toco já extasiado


Sussurro-lhe ao pé do ouvido

Cantando minha crianção

É quando, de supetão

Seu roso abre um sorriso


A quem causei hoje um auge

De amor de uma bossa nova

Depois, quando eu for embora

Vai só cantar de saudade


A música dela foi-se

Pra sempre não toco a ela

Olhando pela janela

Pra sempre só toco à noite


quinta-feira, 14 de abril de 2011

Retorno

Tens o que nem sabes
Via teu sorriso em lua
Hoje vejo teus olhos em chuva
O teu rosto me arrancando em felicidade
Agora, com toda simetria da inércia de não sorrir

São tantas vozes me conturbando os ouvidos
O teu atual descaso
Se encerrando em poucas palavras
A nossa distância
Em monossilabas tuas

Acabas por contrabandear
Todo o amor de mim
Talvez não o amor
Mas pelo menos a felicidade sensível

Tramitas entre meus opostos
Ora és minha dor
Ora és minha alegria

Hoje meu amor por ti me trouxe alegria, como sempre
Mas teu amor por mim me trouxe descaso
Me trouxe a dor do abandono
Presenteando a minha calma com inquietude
Dando agonia à minha alma
Enquanto que a alegria me prende a ti
A dor, momentaneamente, desfaz todos os nós

Me soltei de ti por algumas horas
E retornei ao conforto da solidão
Não me desacostumo dela
Pois sei que sempre à ela retornarei
Como um filho
Que arrependido das aventuras que saiu para viver
Retorna à casa.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Centésima postagem do prosas!

Como a minha postagem anterior era a de número cem, senti-me na obrigação de criar esta postagem comemorativa.
O ricardo provavelmente faria uma postagem melhor sobre isto - inclusive por estar aqui desde o começo. Eu apenas torço para que avançamos para um número cada vez maior; sempre aumentando a qualidade, amadurecendo nossa escrita. Não crescendo sozinho, mas juntos, como bem canta a nossa marchinha.

E vivam as cem!

Diário de uma guerra

Eu estou postando algumas coisas em um blog particular, o http://www.machepapel.blogspot.com . Se alguém tiver interesse, deixo o aviso. Aqui vai a crônica.

Estava na penumbra. Evitava qualquer movimento; não podia ser visto. O medo me tentava, mas minhas ordens não permitiam que eu recuasse . Espreitava o jogo de sombras que podia revelar nosso inimigo. O local da batalha já mostrava que iríamos até o fim; o ambiente desfigurado e alguns corpos se retorcendo, tentando viver. Felizmente só via corpos inimigos. Mas não estava confiante.

Minhas pernas tremiam – sabia que só teria uma chance de sair vitoriso; meu movimento deveria ser preciso. De súbito ouvi um barulho, um ruído muito baixo, mas o suficiente para deixar em alerta ouvidos treinados. Vinham três, com o corpo fortemente protegido. Não havia brecha para erro, então eu aguardava cauteloso – em algum momento teriam que vacilar.

Continuaram andando, patrulhando em busca do inimigo; o resto do exército dependia da proteção destas. Quando passaram perto de mim e se entreolharam, de súbito percebi que já haviam me descoberto. Era uma armadilha, já sabiam de mim. Como tentavam me enganar, não empunharam rápido o suficiente as armas, então aproveitei e disparei, deixando um corpo no chão. O resto recuou, mas não costumo brincar em serviço: rápido acertei o que restava e então cumpri minha missão – enfraqueci a segurança. Depois saí do campo de batalha

Já em ambiente seguro, liguei para a liderança. Ninguém atendeu. Então voltei para casa, felizmente sem risco algum. Dormi com a consciência tranquila; achava até que poderia ganhar uma condecoração pelo serviço tão bem feito. Quando acordei esperava os melhores tratamentos possíveis – engano meu; apenas recebi a missão de enterrar as três vítimas da noite anterior. Depois de um dia de glórias, nada poderia ser mais degradante. Entretanto me resignei e deixei minha honra de lado. Peguei a pá e a vassoura e joguei as baratas no lixo. Estas foram adversárias fracas para mim. Mas a guerra continua – toda noite.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

O Traficante de Flores

Estava combinado de reunir em casa com uns amigos para ver um filme e discuti-lo. O horário marcado era nove horas. Esperaríamos o Felipe - que estava em uma confraternização - chegar para começarmos. A trupe foi chegando. Todos ansiosos até que o Felipe chegou. Junto com ele, vieram duas amigas dele que estavam na confraternização; uma delas, trouxe um grande e belo buquê de rosas. Nos cumprimentamos e fomos ao filme – clube da luta, assistido por um estudioso e curiosos por psicanálise.

O clima durante o filme era tenso. Não só pelo filme, mas também por todos desejarem compreendê-lo para depois discuti-lo. Ao término de uma das cenas de luta, a dona do buquê levanta-se e avisa: “Tenho que ir”. Uma pena ela ter que ir, mas na ânsia de logo continuar o filme, rápido nos despedimos e apertamos o play – ninguém percebeu o grande erro: o buquê ainda estava lá.

Quando o filme terminou, conversamos, discutimos, rimos... e ninguém percebeu que as flores estava tristes em cima de uma cadeira. Depois saímos todos para comer sem lembrar das pobres rosas – e eu aproveitei a carona. Na volta, alguém foi capaz de lembrar: ela saiu sem o buquê! Então falei para o Felipe logo buscar lá em casa, mas naquele horário ele preferiu deixar para o próximo dia. Pensei em insistir que pegasse naquele momento, mas era mais cômodo pegar depois, já que estava tarde. E então começou o meu suplício, que conto nesta crônica.

No outro dia, enquanto eu dormia, todos estranhavam a presença do buquê. E o murmurinho começou em casa: “Não é de ninguém? Então é do Gilberto? Por quê?” Felizmente quando acordei foi fácil resolver este problema; certamente estranharam alguém esquecer algo tão inusitado, mas... pelo menos sabiam que havia gente em casa no dia anterior e eu tinha meu álibi.

Tudo ia bem, até que o Felipe me liga: “desce que tô passando pra pegar.” Então percebi a situação em que eu me meti: eu teria que pegar o elevador, atravessar a portaria e entregar flores para um homem! Como eu explicaria a situação? Não são apenas pessoas, são porteiros! E quem não tem porteiro fofoqueiros, certamente não tem porteiro.

Munido do buquê saí do apartamento. Não tenho o menor problema com homossexuais, de modo algum; porém, muitos fazem coisas escondidos para não olharem torto para eles e mesmo assim olham. Imagina eu, entregando flores para um homem no meio da rua? Já estava vendo no futuro os porteiros, motoristas e funcionários do prédio me usando como alvo de chacota.

E já comecei bem minha epopeia. No elevador, três pessoas me olhando e eu me sentindo o Prof. Girafales. Um velho pergunta: quantos anos de namoro? Três, três... Vai levá-la para jantar? Claro, vou no... E assim fui tendo que mentir tudo. Talvez se eu morasse no dezessete eu pensasse em contar a história, mas... como eu moro no quarto, no momento em que eu falasse “Vou entregar, na verdade, para um amigo aí na frente...” e o elevador chegasse, não seria muito agradável.

Saí do elevador. Ao lado da portaria, parecia uma reunião do sindicado de motoristas unido com o de porteiros próximo à portaria; deveria ter umas seis pessoas que num círculo. Todos olharam-me e perscrutaram o buquê com o canto dos olhos. Continuei esperando o carro chegar e eles continuaram me olhando com hostilidade, provavelmente esperando que eu me justificasse por portar flores. Minha mente buscava uma solução, mas não havia... em alguns minutos eles me veriam entregá-las para o Felipe. Então tentei explicar toda a história. Não fui convincente. Não tenho sequer dúvidas de que quando saí falaram: “Até parece! Olha esse papo...". Então o telefone tocou e sussurrei:

- Já estou aqui em baixo, pode vir...

E finalmente o carro chegou e discretamente entreguei o buquê. Voltei caminhando de modo furtivo, e então passei pelo porteiro, pela reunião dos motoristas – todos me olhando descrentes – e entrei no elevador tentando não chamar atenção. Enfim minha tensão iria diminuir. Eu me acalmava, mas no fundo tinha certeza que isto não era uma situação para qualquer pessoa. Percebi que, depois de tantas mentiras, medos e receios, eu não era nada a mais do que um traficante – naquele dia de rosas, hoje também de orquídeas e girassóis; é só falar comigo.