terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O que se põe e o que nasce

Vi-te chorar feito criança que um dia vi

Um choro sem ritmo

Palavras que se repetiam

As lágrimas salgadas escorriam tomando teu rosto

Como as rochas sólidas são tomadas pela correnteza


Enxuguei-te o rosto

Tentando limpar-te a alma dos sofrimentos

Observando tua angústia que não queria cessar


Logo tua língua buscou a minha

Em uma dança de amor e prazer

Os corpos, ainda aquecidos pela lamúria,

Tocaram-se em um misto de saudade e vontade


As bocas que se encaixavam

Sob uma falta de métrica deliciosa


Como foi belo

Ver meus dentes te maculando os seios

Marcando a tua pele alva

Que guarda em si astros, flores e bichos

Tão natural quanto o que representas


As estrelas nesse instante

Já brilhavam como diamantes loucos

Sorrindo, antes de dormir com a chegada do sol


Pude vê-las em teus olhos

Que se abriam e se fechavam

Aproveitando o individual


Ver teu corpo na plena agonia do prazer

A tua voz ressoando pelo quarto em movimento

As tuas unhas me arrancando o lençol

Os teus dentes ferindo o travesseiro

Tentando sufocar os gritos do corpo

Foi como ver o doloroso parto da liberdade


Foi assim

O doce da tua pele

Borrado pelo amargo da minha saliva

O teu corpo trêmulo como tua boca

Me jurando o que eu na hora não podia crer


Teus cheiros e cabelos

Misturados com teu gosto sincero

Sendo deixados em minha cama


A minha pele e suor

Sendo deixados sob tuas unhas

Os teus pedidos e indicações

De querer levar o momento ao sempre

Aproveitando os segundos ingratos

Do tempo que não perdoa


Tu és de fato

A interseção entre o humano e o divino

A seta que paira sob a cabeça dos homens

Dando-lhes o presente dos céus

E me brindando com o calor da carne


Mas também me dás a paz

A paz que meu âmago deseja

A companhia que nunca pude ter

O anzol que me pesca da solidão


Me temes como quem teme um espelho

Mas por ti me refrato

Perco o compasso dos versos

Deixo de ser semelhança

Passo a formar-me diferença


Eu te conheci no raiar das nossas manhãs infantis

Te vivi em cada dia da vida que passou por meus olhos

Te encontrei no pleno gozo do teu egoísmo gracioso

Mas foi quando o sol de nossa infância se pôs

Que eu te tive como mulher.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Prelúdio da tristeza, Retorno à solidão

Escrever-te é entoar um hino

Celebrar a convivência

Tens um inicio calmo e fugaz

Um desenvolvimento nem tanto obvio

Nem muito belo

O fim do teu mundo é o que estremece


A vida normalmente é uma constante de pausas

Sons que se encerram

Amores que se findam

Luas que se apagam

Sois que nascem

Vidas de olhos abertos

Peitos que respiram


A minha vida sempre foi uma constante reta

Em uníssono canto de solidão

Onde o ser humano não me enche

Não me suporta

Não me completa

Não me acompanha


Os meus versos teimaram em dar-lhes um ponto final

Um fim que desse lugar a um novo começo

Um batuque novo

Um ritmo acompanhado

Em vão

Se perderão na solidão glamurosa

Inspiradora

Inconveniente

Insensata

Incapaz

E imbecil


Me foste uma virgula nisso tudo

Me és a virgula

A breve pausa de felicidade

O intervalo entre a constante solitária

Entre o poeta e o homem

Te perco agora

Deixo-te escapar-me como agua

Por entre meus dedos


Orbitei teu coração que ruge

Que berra

Que grita

Que soca

Toda a hipocrisia

Que me dá o impossível


Vejo meus olhos morrerem com tua partida

Com a angústia de olhar tuas costas me deixando

Com o sangue de esperança escorrendo em meu papel

Com o reencontro que me jubila com expectativas


Ver-me só novamente

É um suplício interminável e indeterminável

Pois nenhum outro ser

Me fez sentir parte de um todo

Como tu me fizeste

Como tu me deixaste


Eu me sinto só na multidão

Sentindo ombros vazios tocarem os meus

Corpos sem vida

Carnes andantes

Corações ambulantes


És o fantasma vivo por detrás dos meus olhos

A vida que nunca se finda


Me tornaste o verso que ganha outro verso

A palavra que sonha em se tornar estrofe

Fulminando em poesia


Ver teus olhos é sentir-me completo

A tua existência

É o meu amor

A tua partida, o meu martírio.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Uivo ao luar

Eu mordisquei tudo
Como se eu nada
Tivesse no escuro ---
E a lua encostada...

Seus bicos tão duros
E a boca ensopada
Eu estava impuro
Ela imaculada.

Brincava de furos
E o dente empalava
Já quase no escuro
Ela suspirava.

A carne no muro
A sombra embalava
Um corpo de músculos
Que ria a dentadas.

Os dedos na boca
E a lua sem chão
Ela era uma louca

E eu a razão
Brincando nas docas
Uma lua e um cão.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Lua de Jaspe


Uma noite fria e nebulosa

Turvando um céu que se escondia

Em ondas de massa roxa e ingrata

Surpreende mãos que se tocam por afinidade


O ócio verídico e poético

Me fez escancarar-me em palavras

Tão pouco importantes ao mundo

Tão íntimas a mim


Eu sou amante e fascinado

Pelo que o homem entende por liberdade

Talvez porque a minha vida inteira

Tenha sido uma luta para alcançá-la


Eu mostrei a minha jaula

A minha cela

Aquilo que me afeta

Me prende

Me cerceia a capacidade


Tens a mística dos astros

Que há muito desacreditava

És parte do delírio massificado

Que torna-se realidade


É, lua de jaspe

A tua centelha de verde esperança

Realça o sentido de uma vida de tormento

És a rosa que sai em lugar do feto

Parindo toda a insensatez lógica

Que me salta os olhos


Em dado momento

Agrides o inconformismo filosófico

Com tuas palavras simples e diretas

Com teu deleite de cotidiano


És um astro

Sem dúvida, noturno

Daqueles que exalam sua mística

No momento em que os olhos pouco podem

Quando a paixão caminha pela noite das alcovas


Poucos te entenderiam tão bem quanto eu

Palpariam teus sentidos e tua emoção


És incompreendida pelos seres humanos normais

Pois representas a hipérbole das inspirações

A completude das linhas poéticas da vida

Aquilo que só pode ser explicado pelos sentidos

Que aleija as palavras

E emudece os versos


O essencialismo da tua presença

É comparável com a dor da verdade

Que arromba a vida mansa

Que empurra à porta estreita

Toda a corpulenta ilusão confortável


És a composição perfeita

Da sensação embriagada da emoção

Do multiforme estado físico e místico dos astros.


Ah, meu bem

Aqueles que te vêem e não te compreendem

Vivem na eterna náusea de não tocar a perfeição

De não alcançar a capital do céu.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Ego

O escuro forçado do meu quarto

Não me impede de pensar

Na grandiosidade do teu egoísmo gracioso

Dos teus cabelos pretos

Que apaixonam os olhos

E beijam os ventos


É, são teus olhos molhados

Que me borram a razão

Paralisando a vida dos demais

Transformando tudo em pura reverência


Eu confesso

Que tua razão exacerbada me fascina

Que o rugido do teu coração

Desfia poesias

Rompendo as fronteiras

Entre as palavras e o papel

Entre o rude e o sincero


O meu amor por ti

Fica longe de ser algo cotidiano

Ele grita, vibra, rompe, estremece

E ao mesmo tempo

É o silêncio ensurdecedor e agudo

Que decapita o nada

Dando vida transcendente ao absoluto


Na verdade

Tu és o absoluto

O absoluto estado de emoção

O ser humano mais livre

Que já tramou por esse mundo

Despojado de pudores

De jaulas

De grades

Livre para ser imundo

Puro

Vivo


És a figura da liberdade

O ícone da graça

Marcada por teus símbolos

E derramando todo o mistério que se pode conceber.

Paulinho Tamer, 12 de janeiro de 2011