sexta-feira, 1 de abril de 2011

O Traficante de Flores

Estava combinado de reunir em casa com uns amigos para ver um filme e discuti-lo. O horário marcado era nove horas. Esperaríamos o Felipe - que estava em uma confraternização - chegar para começarmos. A trupe foi chegando. Todos ansiosos até que o Felipe chegou. Junto com ele, vieram duas amigas dele que estavam na confraternização; uma delas, trouxe um grande e belo buquê de rosas. Nos cumprimentamos e fomos ao filme – clube da luta, assistido por um estudioso e curiosos por psicanálise.

O clima durante o filme era tenso. Não só pelo filme, mas também por todos desejarem compreendê-lo para depois discuti-lo. Ao término de uma das cenas de luta, a dona do buquê levanta-se e avisa: “Tenho que ir”. Uma pena ela ter que ir, mas na ânsia de logo continuar o filme, rápido nos despedimos e apertamos o play – ninguém percebeu o grande erro: o buquê ainda estava lá.

Quando o filme terminou, conversamos, discutimos, rimos... e ninguém percebeu que as flores estava tristes em cima de uma cadeira. Depois saímos todos para comer sem lembrar das pobres rosas – e eu aproveitei a carona. Na volta, alguém foi capaz de lembrar: ela saiu sem o buquê! Então falei para o Felipe logo buscar lá em casa, mas naquele horário ele preferiu deixar para o próximo dia. Pensei em insistir que pegasse naquele momento, mas era mais cômodo pegar depois, já que estava tarde. E então começou o meu suplício, que conto nesta crônica.

No outro dia, enquanto eu dormia, todos estranhavam a presença do buquê. E o murmurinho começou em casa: “Não é de ninguém? Então é do Gilberto? Por quê?” Felizmente quando acordei foi fácil resolver este problema; certamente estranharam alguém esquecer algo tão inusitado, mas... pelo menos sabiam que havia gente em casa no dia anterior e eu tinha meu álibi.

Tudo ia bem, até que o Felipe me liga: “desce que tô passando pra pegar.” Então percebi a situação em que eu me meti: eu teria que pegar o elevador, atravessar a portaria e entregar flores para um homem! Como eu explicaria a situação? Não são apenas pessoas, são porteiros! E quem não tem porteiro fofoqueiros, certamente não tem porteiro.

Munido do buquê saí do apartamento. Não tenho o menor problema com homossexuais, de modo algum; porém, muitos fazem coisas escondidos para não olharem torto para eles e mesmo assim olham. Imagina eu, entregando flores para um homem no meio da rua? Já estava vendo no futuro os porteiros, motoristas e funcionários do prédio me usando como alvo de chacota.

E já comecei bem minha epopeia. No elevador, três pessoas me olhando e eu me sentindo o Prof. Girafales. Um velho pergunta: quantos anos de namoro? Três, três... Vai levá-la para jantar? Claro, vou no... E assim fui tendo que mentir tudo. Talvez se eu morasse no dezessete eu pensasse em contar a história, mas... como eu moro no quarto, no momento em que eu falasse “Vou entregar, na verdade, para um amigo aí na frente...” e o elevador chegasse, não seria muito agradável.

Saí do elevador. Ao lado da portaria, parecia uma reunião do sindicado de motoristas unido com o de porteiros próximo à portaria; deveria ter umas seis pessoas que num círculo. Todos olharam-me e perscrutaram o buquê com o canto dos olhos. Continuei esperando o carro chegar e eles continuaram me olhando com hostilidade, provavelmente esperando que eu me justificasse por portar flores. Minha mente buscava uma solução, mas não havia... em alguns minutos eles me veriam entregá-las para o Felipe. Então tentei explicar toda a história. Não fui convincente. Não tenho sequer dúvidas de que quando saí falaram: “Até parece! Olha esse papo...". Então o telefone tocou e sussurrei:

- Já estou aqui em baixo, pode vir...

E finalmente o carro chegou e discretamente entreguei o buquê. Voltei caminhando de modo furtivo, e então passei pelo porteiro, pela reunião dos motoristas – todos me olhando descrentes – e entrei no elevador tentando não chamar atenção. Enfim minha tensão iria diminuir. Eu me acalmava, mas no fundo tinha certeza que isto não era uma situação para qualquer pessoa. Percebi que, depois de tantas mentiras, medos e receios, eu não era nada a mais do que um traficante – naquele dia de rosas, hoje também de orquídeas e girassóis; é só falar comigo.

5 comentários:

  1. Meus parabens Gilberto
    Uma leitura muito agradavel
    e muito engraçada!
    parabéns

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  2. leve e original, a 'insustentável leveza do cotidiano, as coisas bem que poderiam ser assim sempre. Adorei!

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  3. Valeu, pessoal! Criei um blog para mim. Tentarei colocar crônicas e outras coisas por lá!

    http://machepapel.blogspot.com/

    Helanny, pra mim crônica é justamente isto: pegar fatos banais e contar com um arranjo subjetivo e literário!

    Abraço

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  4. Gilberto,

    Nem preciso dizer... BOM DEMAIS!!!
    Poxa, Gilberto!!!
    Poste mais!!
    Abraços!

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