Criado no Samba da Benção, batizado em Oxalá
Caboclo juramentado do Norte
Amigo, Saravá!
Passo para dizer que estou de saída
Sem recaída, nem bater congá
Só quero também que lhe diga
Sem remorso nem gira
Essa história que vou lhe contar
Perdido em dança de briga
Em amor de guaíba, na beira do cais
Conheci um poetinha que atendia pelo nome
Do amor e da fome
Seu Vinícius de Moraes
Consumia tudo ao prazer da hora
O peito ia se escorrendo, era plena madrugada
Apontando para a noite, ele falava aos olhos da amada
Passei então a fazer tudo o que ele faz
Nunca mais, Vinícius de Moraes!
Brincando de Deus mambembe,
Voltei meus olhos ao encanto, fiz do riso, o meu pranto
Soprando no mundo minha própria criação.
Desde então, já não tive paz
Nunca mais, Vinícius de Moraes!
Numa doce canção de veludo e de dor
Tateei a face da noite estrelada
Acusando em bruma os ouvidos da amada
Deixando toda a eternidade para trás
Quanta ilusão, Vinícius de Moraes!
Aspergindo angústia como gotas de orvalho
Fiz nascer o amor como quem faz a ruína. O fiz?
Na espera da morte, fiz ladrilhar minha sina
Na hora íntima, nem o encanto preenchia mais
Quanta dor, Vinícius de Moraes!
E então recoberto de vãs palavras
Atravessava a alma com um copo de mesa
Dizia à torto “amor”, sem ter certeza
Brincava de amor para sempre, como quem brinca de pira-paz
Não quero mais, Vinícius de Moraes!
Quero tocar o amor como quem tinge o girassol
Sentar-me à a aurora e contemplar o arrebol
Deixando que penetre em mim o calor da eternidade.
Um tempo que desmanchando não desfaz
Nunca mais, Vinícius de Moraes!
Quero andar por aí com a amada
Como andam as aves cegas
Guiadas somente pelo luzeiro do Sagrado Coração
Ver o mar batendo nas pedras, querendo ser pedra
Que sobrevive à passagem da estação
E então nossos beijos serão levados como espuma
Nossos caminhos serão selados como pluma
Pelo Santo sacramento do altar
E quando eu a vir caída
Já não quererei voar
Nem mesmo o momento de espera abate
Ao peito que Nele mora
A amada tem seus medos e sua hora
Meu ímpeto persevera
Meu coração se refugia em silêncio
E então a minha amada será para mim
E eu serei para a minha amada
E não haverá desejo que se venha a deter
À irresistível ternura das vidas
Que cansadas, desistiram de sofrer
Quero voltar deste lugar e te contar
Essas coisas e outras coisas mais
Não te quero, mas não te abandono, meu amigo
Meu pobre amigo
Vinicius de Moraes.
David Carneiro, 2012
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