micro Tragédia moderna
(Em frente a um dos sagrados templos de
Delfos, entram em cena o Ser e o Devir, ambos compartilhando visões, tentando,
com certa dificuldade, enxergar os mesmos fatos ao longe. Esforçavam-se - ora
cerrando um pouco os olhos, ora sobrepondo as mãos palmadas na testa, acima dos
olhos, ou mesmo movimentando-se para aqui ou acolá no afã de encontrar melhor
posição - para reconhecer o que se passava naquele vermelho horizonte de
entardecer).
Ser: vês como aquele Heráclito erra leve -
ou melhor: leviano - flutuando, ora em círculos,
ora rápido para cima, ora vagaroso para baixo? Parece não saber o que faz ou
para onde vai! Tudo soa como tamanha imprudência e destemperança jovial!
Devir: veja ali do outro lado, senhor:
Parmênides jaz em pé, parado, pesa no chão.
Ser (sem dar atenção ao apontamento do
jovem Devir): enxergo bem ou estou insano, sagrada Titânida Teia? Aquele Heráclito
possui um estranho instrumento fixado à cabeça?
Devir: sim, é uma hélice.
Ser: hélice? Assombrosa coisa sobre
humana! Só por isso então que voa. Não voa por si mesmo, de verdade.
(seu rosto figurou expressão incerta entre o assombro e o desdém).
Devir: Verdade? O que é isto, senhor?
(o Ser silencia).
Devir: de todo o modo, por que tanto pasmo,
pobre velho?
Ser: por quem tal engenhosidade pode ter
sido construída, ora?
Devir: oh! Sim, é certo que nesse aspecto reconheço
que pasmas com razão. Isso só os deuses sabem. São futurísticas. Parece construção
possível para somente uns dois mil anos além daqui: século XVI, D.C.
Ser: e, por conseguinte, o que Diabos são essas
coisas de anos e D.C., jovem? Explica-te, pois já começas a ficar assombroso e desarrazoado!
Pretendes, com essas palavras novas me assustar ou...
Devir: senhor, senhor... consegues enxergar
Parmênides ali no outro lado?: está tão pesado, mas tensiona – é certo que,
como vemos esforça-se, debate-se em dificuldades – dar um passo avante.
(o Ser finalmente presta atenção à
Parmênides. Ao enxerga-lo, imediatamente treme de medo e segura-se em um dos
braços do mais novo. Este que olhava extasiado).
Devir (já alucinado, com os olhos
flamejantes, irreconhecíveis – que já pareciam, realmente, os de um louco): e
veja, ele calça, não nossas humildes sandálias, mas botas atômicas – botas de
aço enriquecido com energia nuclear de Urânio. Sacou que massa essa maquina
para os pés?! Tecnologia chinesa bolada lá pelos 2078 ou 79. Ele vai pisar! Vai
pisar! Dará o derradeiro passo. Não vai suportar!
Ser (o pobre velho, com sua expressão já
tomada pelo absoluto terror, tentando, sem êxito, falar; preso no embargo de
uma repentina gagueira irredutível balbuciava grunhidos): o... que... não...
Devir (soltando intensas e insanas
gargalhadas): ah ah ah ah!!! Este louco Parmênides avançará mesmo com este
passo! O pé tecnológico está erguido, meu velho, é incrível! Não terá volta, oh
santo Ares! Ah ah ah ah!!! Pé no chão*... Preparemo-nos! A phisis deste sagrado
solo ocidental não resistirá. Será quebrada! Ah ah ah!!!
Coro
Fissura cindida no duro se abriu.
E o Abismo sem tamanho rachou neste estrondoso
terremoto.
Por Zeus!: abriu mais, mais mais e mais.
Estamos loucas?
E, dentre trovoadas sem fim o autor do Ser
Com suas botas de ferro sucumbiu pelo próprio
ato:
Foi sugado, como o mais pesado, pelo
buraco obscuro.
Pelos céus, o que há de haver lá em baixo,
santo Júpter?
Para esta derradeira resposta nem mesmo os
Oráculos poderão dar enigmas
Caindo
- E aí, a curiosidade de Logos chega ao
seu fim
sendo que é neste mesmo ato que ela
alcança a sua máxima vontade –
Saberás.
Isto tudo diz respeito ao chão.
Pairando sereno, o senhor do Devir
sorridente
Regozijando-se com as carícias dos ventos
que lhe tocam a cutes
Ainda voando está, graças a Vince, sem
precisar do chão.
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