quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

A cor dos olhos


Estou sentado em uma poltrona de quarto. À meia luz, visita-me inesperadamente a serenidade. Então lembro que estás ali, que és e que respiras, batendo-me então a certeza que “a beleza realmente salvará o mundo”. Para falar a verdade, nunca entendi muito bem essa frase, mas como acredito nela quando sinto a tua calma correndo a casa, quando me apavoro com o teu choro repentino e quando me comovo com cada expressão que nasce do teu rosto. Parece até que os dias da criação se prolongaram só para contemplar a novidade desses teus meses, que agora se apressam trazendo pela primeira vez motivo para o descanso ao sétimo dia.

Agora sei que ficaria de bom grado apreciando os teus olhos por toda a eternidade, só para descobrir se são mesmo cinzas ou se na verdade são de alguma tonalidade desconhecida do azul. E quando esses olinhos, sejam cinzas ou azuis, se fecham só sei que é como um milagre, um pequeno milagre, que me faz experimentar a pari passu as belezas do mundo e do espírito. Mas se choras, ah se choras! Como sinto medo minha pequenina! Talvez na mesma proporção da tua curiosidade por este estranho mundo, que agora se curva em amarelo para os teus primeiros dias. No entanto, preciso te dizer algumas coisas, mas guarda para ti e somente para ti, até porque, no final das contas, minha cara, ninguém sabe mesmo de nada.

A verdade é que vieste ao mundo em um tempo de homens cansados. Homens que cuidam das suas vidas e esquecem-se de dar um sentido a elas, transferindo para cada geração uma farsa de esperança, sem raízes, sem tempo e sem lembranças. Mas não te desesperes, aliás, um pouquinho de desespero nunca fez mal a ninguém. Mas convém lembrar que no meio do vale cinzento e sem graça do medo e da desesperança ainda existem aqueles que transformaram em caminhos as pedras e em força a amargura, talvez para adoçar a boca murcha dos velhos ou apitar-lhes com força as campainhas enferrujadas. Por isso, minha pequenina, há que se fazer barulho, mas não se esqueça que a força de tudo isso reside no silêncio. Lança-te ao mundo, mas não deixe que os teus livros fiquem mofando nas estantes. A serenidade também é importante, mas que Deus não te livre guarde dos devaneios que dão a dor e a graça de se viver. Sê grave, mas não rasgue nunca as tuas poesias por vergonha dos teus sonhos e sentimentos. E, principalmente, não deixe, mas não deixe mesmo que te tirem da tua solidão sem te oferecerem a verdadeira companhia. Palavra de quem já ganhou muitos dias, querendo por tudo perdê-los na solidão.


Um comentário:

  1. Que belo sentimento David, expresso num sonho como uma fotografia*. Nos faz cantarolar antigas cantigas e lembrar das brincadeiras da infância. Reviver momentos de plenitude.

    Texto divino, onde menos é mais. Causa uma delicada emoção e ouso dizer (se me permites) que é como se fosse uma extensão do Poema do Menino Jesus, de Fernando Pessoa*. Essa crença, essa fé que nos move em oração para proteger nossos pequeninos como se eles próprios fossem anjos que fugiram dos céus p/ iluminarem nossas vidas, e de fato, são mesmo.

    Continue a nos brindar com esses belos poemas. Um grande beijo.

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