terça-feira, 23 de novembro de 2010

Olha nos meus olhos

O que não somos?

Tigres numa jaula,
Ou o dorso de linguagens assassinas.

Tampouco,

Seres formais com esqueletos
Empalhados de códigos binários, regras de argumentação e números.

O que somos?

Qualquer coisa que chora...

sábado, 20 de novembro de 2010

Andando em Copacabana

As pernas já cansadas e rua após rua nada de eu achar Copacabana. Já estava lá, inclusive alojado em um apertamento de um amigo; porém, andava e me perguntava: “onde está a bela e pura Copacabana que eu esperava ver?” E assim seguia, atravessando-a do leme à ipanema em busca da sua velha beleza.

Durante diversos dias caminhei por lá: seja ao léu, seja indo pegar um metrô, procurar sebos, comer... e, além dos encantos das construções antigas, só víamos idosos, proletários e turistas. E aquele ar leve que eu esperava, nada. O bairro parecia ter envelhecido junto com seus moradores.

Estava com três amigos, e com eles fui à lapa, ipanema, botafogo, barra; em boates, bares, as recorrentes padarias, praias... Por acaso num domingo à noite resolvemos caminhar por Copacabana, sem destino fixo. Seguimos até perto da divisa com o Leme – infelizmente. Por lá só víamos prostitutas, casas de striptease, velhinhos explorando garotos de quinze anos e até sofremos uma tentativa de assalto. Copacabana realmente não era a mesma dos livros, histórias e da minha imaginação.

Certo dia dois de meus amigos foram à UFRJ, onde estudavam pela manhã, e permaneci com o outro na casa. Saímos para almoçar e nos dispersamos – ele foi ao cinema e eu em busca de sebos; já estávamos desacreditados sobre o bairro. Vasculhei coisas baratas e voltei ao apertamento para aguardar, enquanto lia um livro, a chegada deles.

Fiquei lendo por uns vinte minutos, até que um som começou a me intrigar. Fui à janela e procurei um volumoso violão. O quarteirão, que era formado por prédios antigos, que não possuíam nada além dos apartamentos, deixou um espaço vazio no seu meio; e no centro desta blindagem de concreto ficava uma casa com saída pelo edifício onde eu estava. Era uma casa simples, mas muito charmosa; chamava a atenção desde cedo, pois o patriarca a cada nascer do sol descia e, por conta própria, fazia prazerosamente a reforma do muro. Outro charme da casa eram os diversos gatos; chutaria haver uns 8, de todo tipo – o suficiente para nosso amigo entendido de gatos sentir o aroma deles do terceiro andar.

Mas o que importava mesmo acontecia no segundo andar da casa. Lá uma senhora, provavelmente esposa do reformador, estava sentada diante de duas outras senhoras dispondo de seus violões; e deles emanava uma forte e inesperada música que eu chutaria ser medieval. Entre uma música e outra lá estava eu, na janela, o privilegiado ouvinte apreciando o som que quebrava a monotonia do bairro.

Já havia abandonado meu livro e sentado diante da janela aguardava as próximas músicas, como em um verdadeiro show. Aquela casa era praticamente fechada pelos prédios, e eu não ouvia nenhum som de outros apartamentos, por mais próximos que fossem; o resultado da acústica era fenomenal! Ouvia a melodia ecoar pelo cômodo inteiro como uma verdadeira sinfonia. Empolgado comecei a imaginar quem seriam tais mulheres: teriam sido conhecidas musicistas aposentadas? Teriam acompanhado grandes artistas? Ainda tocam por aí? Ou apenas curtem a velhice como lhes convêm? Enquanto pensava, de súbito o concerto acabou e, depois de alguns dias, o meu passeio também; voltei sem saber quem são as violonistas cujo lirismo me contagiou. Mas uma coisa eu posso dizer: sei muito bem quem me apresentou à verdadeira copacabana – tão suave e bela quanto eu esperava.

Monstro

Eu penso em ti

No cheiro do café requentado

Nas noites ingratas

E em todos os momentos e coisas nostálgicas do dia-a-dia


Nem foste tão duradoura em meu pensamento

Nem foste tão marcante em minha vida

Mas foste tão conturbada quanto eu


Tão desajeitada em tuas coisas

Tão completa de palavras e argumentos


Nunca foste fisicamente atraente

E nem moralmente correta

Nunca foste um exemplo a ser seguido

E nem nenhuma dama social


É, o que me atraiu em ti

Sempre foi tua sinceridade abusada

Tua verdade estúpida

E a tua total falta de condescendência


Teus cabelos negro-rebelde

E o caimento que davam em teu pescoço

Eram realmente atrativos físicos


Teu corpo também

Mas tuas feições sempre foram duras demais

Para que fosses um exemplo de beleza.


Estupidez da natureza reinventada

Do contraditório gritante

Da tua pele congelada em sedução

E derretida em pecado


Configurando toda a perdição dos homens

Na tua infantil brincadeira de ser mais do que és

De ser o além de ti

De criar a paixão

E por fim

Arrancar sangue dos que cativas

Doce monstro, meu amor.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Errante.






Caminho sem mim,
Então fujo para os campos.
Eu não vejo campos.

 
 
 
 
 
 
Por Ricardo Evandro Santos Martins. Em 16/11/2010.

Obs: Haikais não possuem títulos, mas resolvi colocar um título para "marcar" o poema no Blog.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Meu primeiro sarau

Já sabia que, naquele momento, nenhum canal convinha à minha audiência, mas permanecia deitado, me divertindo mais em apertar botões e decorar o que estava em curso do que com o que me apresentavam. No fundo, queria prosseguir a leitura do Nobel “Os Buddenbrooks”, do alemão Thomas mann, ou jogar no computador; desejava fazer algo sem me preocupar com o tempo ou em ser interrompido.

Ao contrário da maioria, tenho uma propensão de ficar em casa. Adoro permanecer um feriado ou sábado ao léu: uma horinha lendo aqui, outra vendo um filme, mais à frente jogo algo... E desta rotina, certamente, liguei certas diversões minhas à falta de compromissos. Como posso ler um conto se tenho apenas vinte minutos? Preciso ler, ir ao dicionário, refletir e, o melhor, relembrar toda a leitura olhando o nada, com ar contemplativo. Logo, quando não tenho tempo, faço atividades nada profícuas, entregando-me a diversas e curtas ações ociosas.

E assim estava eu, entre televisão, computador, violão e idas à cozinha. O motivo para isto era simples: talvez haveria em quartos de horas um Sarau aqui em casa, com vários amigos e conhecidos deles. Seria o primeiro Sarau que eu participaria, e sentia-me entusiasmado para fazer parte de uma festa que reúne duas coisas notáveis: música e literatura. Por outro lado também tinha receios comuns a qualquer coisa nova, ainda mais envolvendo bebidas. Mas a grande questão era o “talvez” usado acima. Enquanto permanecia em afazeres que não necessitam grandes lucubrações, constantemente fazia ligações a quem tinha o encargo de me confirmar se haveria ou não o Sarau – todas em vão. E nisto, minha agitação aumentava junto com o trajeto do relógio; cada vez estava mais perto da hora que, caso fosse confirmado, aconteceria a festa.

Já passava do horário combinado e ninguém conseguia contato com o responsável pelo veredicto. Então finalmente decidi agir: já passavam quinze minutos da hora pretendida, ninguém era capaz de receber a confirmação, e certamente não sou o único a não ter certeza sobre o sarau; logo, repleto de sapiência concluí: não virá ninguém e não haverá sarau; melhor fazer algo decente da minha vida. E assim peguei meu livro e comecei a lê-lo.

Enquanto não tenho uma leitura muito vasta, certamente o Thomas Mann é o escritor que mais me deixa em êxtase durante a leitura; e tal êxtase só pode ser completo em momentos que podemos contemplá-lo à vontade, sem a menor interrupção – o que me iludi em considerar possível.

Com dez minutos de leitura, a campainha tocou. Sabia que não deveria ser ninguém para o sarau, era óbvio, mas como não percebi a movimentação de ninguém indo à porta, eu mesmo fui. Era para o sarau. O incumbido de confirmar estava lá, munido do seu violão, pronto para aguardar o pessoal e começar. Afirmei que ainda poderia haver o sarau, caso o pessoal topasse. Graças à infeliz comunicação, não toparam e ele saiu, ainda sem o celular funcionar – o que depois me fez pensar: “como alguns desinformados saberiam que foi cancelado?”.

Voltei à leitura, ludibriando-me que poderia relaxar. Durante uma hora a campainha tocou duas vezes e o interfone, uma. Parecia brincadeira; e o pior de tudo era que ninguém vinha para o sarau – eram amigas da minha irmã. E toda hora lá ia eu abrir mão da minha tranquilidade para já me imaginar na desagradável condição de quem diz “Desculpe, não haverá sarau; mas saiba que a culpa não foi minha, pois...”, e decerto não me sinto nada bem com isto, o que só fazia aumentar minha ansiedade para que a noite acabasse e eu não precisasse me preocupar com alguém chegando.

Minha concentração não era boa, mas eu insistia em ler, mesmo com a tensão que me dominava. Certa hora minha irmã abre a porta com alguma violência e, rapidamente, fico de alerta, sentando-me na cama. Ela diz com a voz um pouco opaca: “O Edson Medini está aí”. Dei um pulo da cama e retruquei exaltado: “O quê? Quem?”. Rápido fiquei afoito e imaginei: como falaria para o Edson Medini que não haveria sarau? Uma pessoa com nome tão sonoro e notável, que certamente só poderia ser concebido por família muito distinta, não poderia ter a infelicidade de vir aqui à toa. Já imaginava um homem de estatura média entrando em casa com uma mesura digna de homens veneráveis e imenso conhecimento, quando minha irmã fez uma careta e falou confusa: “Como assim quem? Eu só quero saber se o Hexomedine, remédio pra garganta, tá aí no teu quarto”. Ela apenas falou sem clareza por causa da garganta, e enfim pude me tranquilizar. Disse não saber onde estava e voltei a ler, anestesiado pelo susto.

Até chegou uma pessoa depois de um quarto de hora perguntando pelo sarau, mas simplesmente falei que não haveria nada, infelizmente. Mas nesta hora eu já seguia lendo tranquilamente. Me sentia um agraciado por não ter sido obrigado a abrir a porta e falar: “Me desculpe, ilustríssimo Edson Medini, mas...”.

domingo, 14 de novembro de 2010

Me lambuzo do laranja das nuvens





Me lambuzo do laranja das nuvens

do alvorecer

Tenho que esquecer, mas hoje tenho um dever pra cumprir
Tentar me perdoar...
Porque só quem se perdoa pode tentar acertar
“Fazer pelos outros e sem deles esperar”
Não é uma regra de vida...
É uma vida pra se vigiar...

Deus! Quanto tempo pensei que isso fosse pagão!
Fazer pelos outros, desacreditando retribuição...
... Fazer pelos outros, desacreditando retribuição...
Do que isso, há alguma coisa mais "cristão"?

E logo o Sol aparece....

- Passei a noite inteira te esperando -...
-Desculpa pela briga no “Pôr” de ontem -...
-É que a noite, mesmo pelo preço dos meus pesadelos – que pago satisfazendo os meus desejos – o silencio e o frio me acomodam ....

...Igualzinho como aqueles amigos que mamãe pedia para que eu me afastasse...
Mas eram os que mais eu gostava de andar...
Alguns me entendiam...
Outros...só queriam estar
....esperando o Sol nascer... e voltar a dormir...

-Bom dia.... -
-Me deseje bons pesadelos -

Doce Irrazão... como queria ter mais tempo pra dialogar contigo....
Como queria ter menos culpa pra te conhecer...
Mas é a culpa que me deixa continuar...

Mesmo que errantemente....
Mesmo em torno da estrela do “sistema culpar”...
Onde fico dando voltas eternamente...
E eternamente vendo o Sol raiar...

-E é justamente o momento em que me lembro...que ainda preciso rimar -.




Ricardo Evandro Santos Martins 12/11/2010.

fonte da foto :http://www.flickr.com/photos/18220895@N04/2279854064/