segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Meu primeiro sarau

Já sabia que, naquele momento, nenhum canal convinha à minha audiência, mas permanecia deitado, me divertindo mais em apertar botões e decorar o que estava em curso do que com o que me apresentavam. No fundo, queria prosseguir a leitura do Nobel “Os Buddenbrooks”, do alemão Thomas mann, ou jogar no computador; desejava fazer algo sem me preocupar com o tempo ou em ser interrompido.

Ao contrário da maioria, tenho uma propensão de ficar em casa. Adoro permanecer um feriado ou sábado ao léu: uma horinha lendo aqui, outra vendo um filme, mais à frente jogo algo... E desta rotina, certamente, liguei certas diversões minhas à falta de compromissos. Como posso ler um conto se tenho apenas vinte minutos? Preciso ler, ir ao dicionário, refletir e, o melhor, relembrar toda a leitura olhando o nada, com ar contemplativo. Logo, quando não tenho tempo, faço atividades nada profícuas, entregando-me a diversas e curtas ações ociosas.

E assim estava eu, entre televisão, computador, violão e idas à cozinha. O motivo para isto era simples: talvez haveria em quartos de horas um Sarau aqui em casa, com vários amigos e conhecidos deles. Seria o primeiro Sarau que eu participaria, e sentia-me entusiasmado para fazer parte de uma festa que reúne duas coisas notáveis: música e literatura. Por outro lado também tinha receios comuns a qualquer coisa nova, ainda mais envolvendo bebidas. Mas a grande questão era o “talvez” usado acima. Enquanto permanecia em afazeres que não necessitam grandes lucubrações, constantemente fazia ligações a quem tinha o encargo de me confirmar se haveria ou não o Sarau – todas em vão. E nisto, minha agitação aumentava junto com o trajeto do relógio; cada vez estava mais perto da hora que, caso fosse confirmado, aconteceria a festa.

Já passava do horário combinado e ninguém conseguia contato com o responsável pelo veredicto. Então finalmente decidi agir: já passavam quinze minutos da hora pretendida, ninguém era capaz de receber a confirmação, e certamente não sou o único a não ter certeza sobre o sarau; logo, repleto de sapiência concluí: não virá ninguém e não haverá sarau; melhor fazer algo decente da minha vida. E assim peguei meu livro e comecei a lê-lo.

Enquanto não tenho uma leitura muito vasta, certamente o Thomas Mann é o escritor que mais me deixa em êxtase durante a leitura; e tal êxtase só pode ser completo em momentos que podemos contemplá-lo à vontade, sem a menor interrupção – o que me iludi em considerar possível.

Com dez minutos de leitura, a campainha tocou. Sabia que não deveria ser ninguém para o sarau, era óbvio, mas como não percebi a movimentação de ninguém indo à porta, eu mesmo fui. Era para o sarau. O incumbido de confirmar estava lá, munido do seu violão, pronto para aguardar o pessoal e começar. Afirmei que ainda poderia haver o sarau, caso o pessoal topasse. Graças à infeliz comunicação, não toparam e ele saiu, ainda sem o celular funcionar – o que depois me fez pensar: “como alguns desinformados saberiam que foi cancelado?”.

Voltei à leitura, ludibriando-me que poderia relaxar. Durante uma hora a campainha tocou duas vezes e o interfone, uma. Parecia brincadeira; e o pior de tudo era que ninguém vinha para o sarau – eram amigas da minha irmã. E toda hora lá ia eu abrir mão da minha tranquilidade para já me imaginar na desagradável condição de quem diz “Desculpe, não haverá sarau; mas saiba que a culpa não foi minha, pois...”, e decerto não me sinto nada bem com isto, o que só fazia aumentar minha ansiedade para que a noite acabasse e eu não precisasse me preocupar com alguém chegando.

Minha concentração não era boa, mas eu insistia em ler, mesmo com a tensão que me dominava. Certa hora minha irmã abre a porta com alguma violência e, rapidamente, fico de alerta, sentando-me na cama. Ela diz com a voz um pouco opaca: “O Edson Medini está aí”. Dei um pulo da cama e retruquei exaltado: “O quê? Quem?”. Rápido fiquei afoito e imaginei: como falaria para o Edson Medini que não haveria sarau? Uma pessoa com nome tão sonoro e notável, que certamente só poderia ser concebido por família muito distinta, não poderia ter a infelicidade de vir aqui à toa. Já imaginava um homem de estatura média entrando em casa com uma mesura digna de homens veneráveis e imenso conhecimento, quando minha irmã fez uma careta e falou confusa: “Como assim quem? Eu só quero saber se o Hexomedine, remédio pra garganta, tá aí no teu quarto”. Ela apenas falou sem clareza por causa da garganta, e enfim pude me tranquilizar. Disse não saber onde estava e voltei a ler, anestesiado pelo susto.

Até chegou uma pessoa depois de um quarto de hora perguntando pelo sarau, mas simplesmente falei que não haveria nada, infelizmente. Mas nesta hora eu já seguia lendo tranquilamente. Me sentia um agraciado por não ter sido obrigado a abrir a porta e falar: “Me desculpe, ilustríssimo Edson Medini, mas...”.

6 comentários:

  1. Gilberto...
    Adorei!


    Confesso que no dia me senti culpado -coisa rara-, e ainda me sinto...Mas a minha desorganização, as minhas promessas nao-cumpridas, e as frustações que causo nas pessoas, pelo menos, serviram para inspirar este texto tão belo, sincero, e com um senso de humor que já valeu o meu dia -a madrugada-, e que serviu, ao mesmo tempo, como tapa para que eu me lembre o quão responsável sou pelas pessoas que cativo...

    Parabéns, meu amigo!!
    Gostaria de ver mais teus textos por aqui...

    Abraços, e parabéns!

    Ricardo Evandro.

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  2. auaueuaueuaeuaeu
    Edson Medini!?
    haahahhahahahahahhahaha

    égua tá muito paid'égua esse conto.
    muito bacana mesmo

    meus parabens ilustre!

    abraços

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  3. Valeu, pessoal!

    Ricardo, fica frio, cara, o objetivo não é dar um tapa ou falar mal de alguém; apenas fazer crônicas como Fernando Sabino, Veríssimo, Rubem Braga e cia: pegar algo banal e contar com características literárias - neste caso, visando humor.

    Valeu Ernesto! Olha só: quando eu precisar de um pseudônimo já tenho um. Edson Medini é ideal.

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  4. Hehehehe!
    Claro!!!
    Gliberto!!

    Eu fiz graça com as minhas "culpas", só isso!
    Parabéns!!!Mais uma vez!!!

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  5. Da próxima vez, vou aparecer de supetão em um paraquédas na tua janela dizendo: "Te peguei lendo esse livro! Bora te levanta que vai começar o sarau!". rss.
    Gostei do conto também

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