segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Olhos D'água


Se tu sentes, enamorado homem, que os olhos dela nem se umedecem sutilmente em olhar teus olhos já submersos e inundados há muito tempo frente aos dela ainda secos, se sentes isso, lembra-te que água é vida. E teus olhos de contemplação estão sempre molhados. Tem facilidade de se encherem de água. És um olho d’água. Em todo o olho d’água, as águas vem da pedra. E pedra que é pedra, está quase sempre seca, como os olhos dela.


Agora, teus olhos d’água estão encharcados, eu sei. Já transbordam pela tua terra-rosto. Sei também que há sempre uma pedra nova para ser tua fonte. A de agora é das grandes. Dá-te muita água. Para os teus olhos d’água, é a mais bonita, a mais brilhante, estonteante. Para a vida em volta, uma pedra, simples pedra, como as outras pedras.


As águas dos teus olhos d’água são mágicas. Escorrem pela frente deles e os envolvem em liquefaça e fina capa de contemplação sagrada do amor. Teus olhos, tocados por esta água, passam a ver com louvor cada pedaço dessa pedra: a face, os cabelos, os ombros, as mãos, a barriga, o ventre, as pernas, os pés, as unhas pintadas, o batom, o detalhe do detalhe do detalhe do brinco que esta naquela orelha perto do pescoço delicado. A pedra é o supra-sumo da perfeição contemplada vista às lentes d’água que envolvem teus olhos que desejam.


Vais agüentar, olho d’água? Não vais te afogar pelos olhos? Sei que não. No enigmático mundo do rapaz dos olhos da contemplação das pedras - que se enchem de água por elas - nas águas, esses olhos não se afogam e sim respiram. Vivem.


Sabes por que os olhos dela ainda estão secos, caro amigo olho d’água? Palavras tuas calharão em pista: “Talvez porque a tua música meu caro, seja a mesma melodia que sempre embalou os sonhos de amores dessas mulheres ou porque as tuas palavras sempre foram tudo o que elas quiseram ouvir sobre o amor. Só por isso elas não te querem e se arrependem toda a vida por não se permitirem amar”. Foste ao mote da questão. Para a vida desejante desejar, ela tem que sentir falta, estar incompleta.


O que moverá essa pedra-mulher à vida se encontrar um olho d’água eternamente exausto por ela, disposto, capaz de realizar todos os desejos que ela tem? Quando é difícil de entender, da boca escapa: “Ingrata!”.


Resta a ti, olho d’água, tão sensível e cheio, deixar que a pedra tola se sabote em paz. Pois ela conformar-se-á em, futuramente, querer ser fonte d’água abundante a outro olho d’água. Mas esse olho d’água será raso, quase sem água, quase só úmido. A deixará frustrada enquanto pedra-mulher. Ele não vai encher completamente seus próprios olhos d’água em seu louvor. Mas, ao menos a manterá na incompletude, própria de pedra-mulher.


Mas lembra-te, grande amigo, ter um olho d’água que transborda desmedido por cada fonte de pedra nova perene que te toca os olhos, também é uma forma de querer e nunca poder por completo. É também garantir teu infinito desejo. Que sejamos meninos eternamente apaixonados, incompletos e com os olhos cheios d’água.

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