terça-feira, 31 de agosto de 2010

O Sertanejo


Maria, mulher
Braços fortes e Zé
Chão de barro nos “pé”
Seguiu a correr

Pela catinga rachada
Com a trouxa e a enchada
Com Zé de mão dada
Procurando o bucho encher
Viu logo um bodinho
Era de seu novo vizinho
Um sertanejo bonzinho
Mas que não podia lhe acolher

Foi triste a cena
Ver o menino Lucena
Sob aquela tarde serena
Sem ter o que comer

Perguntaram ao porteiro
Se podia ver o fazendeiro
Por seu trabalho do dia inteiro
Dar um pãozinho pra nós repartir

Foi assim que ele disse
Que de imediato partisse
Ou a raiva de dona Alice
Em cima deles ia cair

Não sabiam ao certo
Se o futuro incerto
Lhes deixaria ver seus “neto”
Que dos filhos iam sair

Perguntaram pro moço
Se cortando cana teria almoço
Que não levasse a mal o seu desgosto
Mas seus filhos tinham que comer

Era sujeito valente
Com terra nos “dente”
E desde já tava ciente
Que muito trabalho ia ter

Não tinha medo de trabalho
Era grande e rebarbado
Sem ter medo do terçado
Muita cana ia colher

No fim da colheita
Uma grande desfeita
Seria mal feita
Pelo seu mal feitor

Fugiu com o dinheiro
Do canavial inteiro
Sem dividir com os “obreiro”
O que lhes pertencia por valor

Não é coisa que se faça
Foi por pura pirraça
Que aquela desgraça
Veio trabalho me oferecer

As “mão” agora cansada
Que cortar cana desgasta
Os calos dão mão farta
Que o sertanejo ia ter

Foi então que desesperada
Maria juntou logo a criançada
Pra ver se num ato de graça
O divino ia lhe prover

E Maria temendo
Pela vida do rebento
Pediu a São Bento
Um pão pra comer

Foi quando ele disse
Minha filha desiste
A seca é cruel
E não vai te atender.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Pedaço de lua

Não sei teu nome teu olhar --- te quero
Por não saber dizer em mim a hora
Por teu olhar colher em mim um rosto
Por não dever te amar em mim agora.

Na luz te quero e sem querer te quero
Pois eu não sei como te amar assim
Só por te olhar e não ter esforço
Só porque és tão linda para mim.

Abres os dentes sem querer poema
Escorre um riso e a palavra dorme
E tudo canta só por teu sorriso.

Pois algo teu que não é teu me colhe
Me colhe o instante e nada sei de ti
Nada sei que não seja mais de mim.

sábado, 28 de agosto de 2010

Kafka, o niilismo e "O processo"

Embora não tenha terminado de ler todas as obras de Kafka, farei uma análise demonstrando o quanto esse autor é mal compreendido, o que de fato sempre é falado quando alguém tenta interpretá-lo, utilizarei três livros, os “Diários” do próprio autor; uma interpretação socialista feita por Leandro Konder; e o romance “O processo”.

Primeiro vou partir de uma afirmação de que o autor é com toda a certeza judeu. Por quê? Isso fica evidente no seu diário quando em várias partes dele o autor pensa como um judeu, em qual sentido? Em buscar as soluções da religião judaica à época. Ficando claro nesse trecho: “Deverá dizer a si mesmo que – falando sobre os leitores de uma obra sobre a história de judeus de sua época-, principalmente após o surgimento do sionismo, as possibilidades de solução estão de tal modo evidentemente agrupadas em redor do problema judaico, que afinal de contas basta o autor fazer apenas um movimento para achar a solução que dá resposta à parte do problema.”. Ora, é bastante razoável que um membro de uma dada religião esteja preocupado sobre o futuro de sua própria religião, como, por exemplo, um cristão apoiar ou desapoiar o que tem sido as conseqüências do Concílio Vaticano II. Portanto, é falso quando Leandro Konder diz em sua obra Kafka “Vida e Obra” que “Apesar de uma tremenda necessidade de crer em algo, Kafka jamais chegou a encontrar paz de espírito em qualquer fé ou em qualquer Igreja.”. Tal como ele Leandro mesmo encontrara nas suas utopias salvadoras da humanidade... Mas partimos à obra “O processo”.

No final do livro, que é o que mais ajuda a esclarecê-lo, K., o acusado, entabula uma conversa com um Sacerdote, dizendo no início sobre a disponibilidade e preocupação desse mesmo Sacerdote em relação a ele “Você é muito amável comigo... Tenho mais confiança em você do que em qualquer um dos outros tantos que já conheço...”. Veremos aonde esta tal confiança irá ser levada logo adiante.

Em uma parábola narrada por este Sacerdote ao processado "K." um homem do campo, que logo em seguir afirmarei que é um niilista ou o próprio "K.", que tenta entrar nos domínios da Lei, ou seja, no mundo jurídico, é impedido de adentrar neste mesmo local por um porteiro que é um simples operador do Direito, não diminuo essa importância, pois fazer isso, seria tomar uma atitude niilista, já vou me explicar, que como fala o Sacerdote “foi incumbido pela lei de realizar um serviço; duvidar de sua dignidade seria o mesmo que duvidar da lei.”, um pouco mais atrás o mesmo Sacerdote fala que tal serviço é “incomparavelmente mais do que viver livre do mundo”. Quem seria esse homem livre no mundo senão um livre-pensador e que por isso mesmo é niilista? Já explico. O Sacerdote tal como o Aliócha são os seres-humanos em que acreditam profundamente em alguma coisa e por isso afastando-os da falta de valores niilista, vêem as coisas claramente no sentido de que, o primeiro, de entender que o porteiro não faz mais do que executar o seu trabalho como participante do mundo jurídico, e o segundo, de ser fiel à verdade religiosa - na verdade, ambos o são, mas estas são as principais caracacterísticas deles expostas nos dois romances -. Portanto há dois pares de personagens que são o extremo oposto tanto nos “Os irmãos Karamázov” quanto no “O Processo”, quais são? O Sacerdote e o Aliócha como os não-niilistas e K. e Ivan Fiódorovitch como os que negam qualquer validade à vida, o primeiro morre como um cão “era como se a vergonha devesse sobreviver a ele” e o segundo fica louco.

E por que K. é niilista? Porque como o Sacerdote lhe falou “não é preciso considerar tudo como verdade, é preciso considerar apenas como necessário...”. O que é o necessário? Crer, apesar de todas as suas falhas, na extrema importância do mundo jurídico às nossas vidas. Como um bebezinho mimado o niilista K. refuta “A mentira se converte em ordem universal...”. Ora, o positivista é aquele que nos sonhos crê no progresso, o que certa hora acabará por tornar-se também cético, já que o progresso não é constante, e o socialista é aquele que parte do princípio que o mundo é o pior dos possíveis buscando a salvação da sua vida em um projeto utópico, o que já é, de início, a negação de viver o presente, e de encontrar possibilidades de valores vivíveis. Ambos, são niilistas. Falo tanto do positivista quanto do socialista pois são arqui-presentes desde o início da ilustração.

Lembrem-se que o niilismo é a negação de valores orientadores à vida, e a sua principal característica é o não reconhecimento de valores tanto para si quanto na vida dos outros. Com “K.” não foi diferente. Diferentemente do início no qual deposita confiança na ajuda do Sacerdote, e após este ter demonstrado a ele como as coisas funcionam, ou seja, o caráter necessário de um operador do Direito, “K.” lhe fala “mas eu não consigo me orientar sozinho no escuro”, e mais adiante “antes você foi tão amável comigo, explicou-me tudo, mas agora me despede como se eu não significasse nada para você”. Ora, isso não é atitude de um garotinho de 12 anos que requer tudo para si e não aceita que os com quem tem inimizades brinquem de futebol com ele? Antes, o Sacerdote era reconhecido como um homem bom, ou seja, até o momento em que este serviu para o consolo da mente perturbada de K., embora não tenha sido um consolo já que para “K.” só a morte funciona, porque nada para ele é válido e quer continuamente fazer os outros crerem nisso, agora, como o homem religioso era reconhecido por K.? “Você é o capelão do presídio”, somente como um trabalhador qualquer, sem nenhuma ordem hierárquica de valores, que é o niilismo. K. disse-lhe “você precisa compreender” ao que o Sacerdote responde “Você precisa primeiro compreender quem eu sou!.” O niilista K. no seu não reconhecimento da vida religiosa do Sacerdote e da necessariedade do Direito é somente aquele que não reconhece a importância dos valores superiores à vida. Pondo em miúdos, não compreender o que é um sacerdote, o que per si requer uma atitude respeitosa e o que é o Direito são atitudes niilistas.

Embora no último capítulo “K.” comece a reconhecer quão desnecessário fora ter entendido o mundo por uma lente reprovativa, como um bom niilista, em um repente de interrogações em que vira uma pessoa aparecer ex nihilo ainda com esperanças de ser salvo –o que o Sacerdote tinha tentado fazer-, não tem mais tempo, pois o pensamento nunca encontra alguma base fixa para se apoiar, logo tudo acaba sendo ruim, pois tudo é desgraça para ele, como o Kafka, não “K.” escreve “Existem objeções que tinham sido esquecidas? Sem dúvida, estas existem.”. E sempre hão de existir, senhores. Uma morte como um cão foram as últimas palavras de “K.” e Kafka escreve “Era como se a vergonha devesse sobreviver a ele”.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Amigo

Me olha sorrindo e vem logo abraçar:
"Meu bom amigo, um prazer lhe encontrar"

Diz que de mim adora novas saber
E para todos vive a me exaltar:

"Isto é um louco, canalha, veado
Quem me dera poder lhe matar"

Mas hoje é imprescindível sorrir
Para um dia poder nem me olhar

E, no fundo, só apertar a minha mão
no dia em que ela estiver a sangrar

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Teus olhos novamente


Meu bem, faz tempo que não lhe escrevo
Não pense que é falta de jeito
Só o tempo vai te falar

Menina, olhar teus olhos me é um parto aceso
Já te cantei isso
Já me dei até desprezo
Só por te amar

Nossos nomes, mesma letra
Com o P de pronunciar
As frases mais belas
Que um poeta poderia compor

Não tenho jeito com escrita
E sou melhor ator que poeta
Uma coisa é quase certa
Que contigo não atuo
Nem aturo
Coisas pequenas a me envenenar

Nado em rio incerto
De cristal e ladrilho
Olhando em teus lábios todo o brilho
Que só Deus poderia dar.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Meu Filho

De faca, madeira muni
o menino que corre, que corre dali

Ligeiro, esperto já sabe roubar
Lamento, espero que saiba fugir

Que roube sem dó tudo que puder
Pra que amanhã eu possa servir

Não nos engane e traga pra cá
O que for preciso pr'eu poder sentir

Que amor e carinho que tanto dei
Voltará dobrado como eu pedi

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Precária Palavra

(um poema inspirado nas idéias de Jaques Lacan)


A palavra não vem
Nunca vem
Renitem em emergir em resquícios quando o acaso convém
No banho
No trono
No sono
No sonho
Só vem o espanto
De sentir que o vivido de cada âmago
É ao papel
Como o céu é para cada estrela
Poesia... imitação
Papel... uma prisão
Que disciplina e acalenta o inominável
Tentando enfeitar a precária palavra

A palavra não vem
Quando vem, já não é a coisa mesma
Está disfarçada
Emana beleza
É válida
Induz alegria, melancolia, tristeza
Embebeda e sublima a mente abita

A palavra não vem
O papel suprime a essência
O labor a lapida e a deixa enfeitada
Obriga-lhe a assumir sua prudência
Mas provem de lugar inexplorado
Inabitado
Onde nada se explica
É inexplicável
... Dentro de nós

A palavra não vem
É melhor não vir
Às vezes também
E só deixar, do vivido, o resquício advir
Para que cause o espanto esquecido de alguém
De quem o sorriso ou o pranto falarão por si

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Minuto de Silêncio

Antes de mais nada acredito que cumpre-me agradecer o convite que me fora enviado pelo grande amigo Ricardo Evandro que, a meu pedido, incluiu-me no rol dos colaboradores deste blog.
Gostaria de deixar claro aos amigos e leitores que não esperem de mim atuações tão brilhantes quanto a dos colegas que aqui também postam. Tentarei cumprir minha parte, somando esforços aos dos companheiros no intuito de compártilhar idéias e artes que por sua natureza devem servir como instrumento de edificação do homem.
Desde já, gostaria de explicitar a minha incontrolável vontade de demonstrar o quão agradecido estou em poder compartilhar este espaço com pessoas as quais eu tanto admiro. Pelo que, como ainda tenho muito a falar, mas as palavras me escapolem quando se trata de mencionar o quão preciosa é uma loja como essa, deixarei este momento com uma poesia a qual representa o meu minuto de silêncio em reverência aos homens de boa vontade que aqui comungam.

Silêncio
Hoje, por algum motivo, eu acordei gritando
Gritava incontrolavelmente, sem saber a que ventos gritar
Gritei por minha mãe, por meu pai, por meu irmão
Gritei na cara deles, mas nenhum deles me ouviu

Passado alguns minutos, entendi que o que gritava era o meu próprio silêncio
Esse silêncio que as vezes me toma e o mundo deixa de ser parte de mim para se tornar alheio
De vez em quando o dia amanhece barulhento, cheio de idéias, cheio de ruídos inconvenientes. É ai que rezo para que o silêncio venha
Mas os dias de silêncio me sufocam, me humilham, me diminuem as idéias

Os dias de silêncio não perdoam os passos em falso
Os dias de silêncio me obstruem o escrever
As idéias não fluem, meu corpo padece
Parece que a vida sai um pouco de mim
Os dias de silêncio são tão tristes, as pessoas falam e eu não ouço

As idéias rangem ao pé do meu ouvido, mas não as compreendo
Esses dias são tão terrivelmente pacatos
Nos dias de barulho procuro o meu silêncio
Mas nos dias de silêncio procuro o grito profundo e melancólico que move minha caneta
Nos dias de barulho quero o silêncio para concatenar idéias
Nos dias de silêncio procuro tudo aquilo que fale mais alto dentro de mim

E hoje, algo entre o silêncio e o barulho me bateu a porta
Algo de doce, algo de firme, algo de inspiração, algo de amor, algo de tristeza, algo de saudade
Algo que me permite, algo que me liberta, algo que me arranha, algo de algo
Algo de verdade, algo pertinente, algo de lúcido
É onde o homem pode se encontrar por completo: um momento pobremente escasso de contradição.

domingo, 1 de agosto de 2010

presos na terra

Acabei de ler o conto do meu amigo David que por sinal é muito bom, levando em consideração tanto a sua jovialidade, 22 anos, quanto tomando como referência os seus contos postados neste blog que não são muitos, portanto uma relativa pequena produtividade. Não fica nem um pouco atrás, em termos de profundidade psicológica, que é o que tem mais de rico nesse conto, somado a alguns parágrafos de uma grande riqueza metafórica, aos contos de uma Lygia Fagundes Telles. Sem bajulação alguma, mas esse conto é bom. Ao ler, destaquei alguns pontos que me chamaram atenção, no que tange à estrutura do conto, que serão entendidos somente por quem já o leu:

1. Falta coerência no uso da linguagem popular do personagem principal, visto que o contista conjuga por vezes os verbos em norma culta no decorrer do diálogo interior do personagem e também em seus diálogos reais com o leitor, causando incoerência na representação e delineação artística do protagonista. Nesse caso fica claro: “Aquela água parecia que me revirava por dentro, fazendo-me questionar coisas sobra as quais jamais pensara. Doidera?” É difícil imaginar um personagem popular que tem como palavra comum em seu vocabulário a palavra “doidera” conjugando o verbo pensar no pretérito-mais-que-perfeito.

2. O quinto-parágrafo do conto é sem dúvida alguma o que tem mais beleza artística propriamente dito, são 9 linhas que possuem já uma precoce proximidade do autor com as palavras, produzindo-as com ricas metáforas.

3. É bem peculiar o diálogo do personagem com o leitor, pois há por vezes contatos mais ternos no sentido de o narrador como em uma conversa filosófica jogar por alto o entendimento dele ao leitor e noutras o leitor ser tomado como onisciente quando ele sabe inclusive qual é o dia que se passa o conto, sendo convocado a aceitar a priori o entender do narrador, não em assentir flexivelmente como quando o personagem pergunta ao leitor “Pudesse ser assim?” ou “Não é certo o que eu digo?"
A par desses pontos estruturais, é interessante o constante diálogo interior do personagem com a vida cotidiana e o seu constante distanciamento a ela, em um enveredamento filosófico de conhecer-se a si mesmo e com isso sabendo cada vez mais qual é o seu lugar no mundo, quiçá o seu distanciamento pleno. O personagem reconhecendo aos poucos os sofrimentos pelo quais o pai sofre que tragicamente virá a sofrer, ou melhor, no momento mesmo em que esse reconhecimento passa a se dar as dores advém como intimamente intricadas no entender das dores do pai, é seduzido pela infinita fuga de si mesmo querendo mas não podendo mover-se pois seus pés estão e são imóveis, presos na terra. Momento chave para o personagem que deve ou buscar o desbravamento do mundo desconhecido que ao fim e a cabo muito provavelmente irá consistir em um ceticismo ou acreditar, enfrentando em uma solidão resignada, no profundo e verdadeiro ensinamento de seu pai quando lhe fala: "a mentira tem pernas bonitas, meu filho."