domingo, 1 de agosto de 2010

presos na terra

Acabei de ler o conto do meu amigo David que por sinal é muito bom, levando em consideração tanto a sua jovialidade, 22 anos, quanto tomando como referência os seus contos postados neste blog que não são muitos, portanto uma relativa pequena produtividade. Não fica nem um pouco atrás, em termos de profundidade psicológica, que é o que tem mais de rico nesse conto, somado a alguns parágrafos de uma grande riqueza metafórica, aos contos de uma Lygia Fagundes Telles. Sem bajulação alguma, mas esse conto é bom. Ao ler, destaquei alguns pontos que me chamaram atenção, no que tange à estrutura do conto, que serão entendidos somente por quem já o leu:

1. Falta coerência no uso da linguagem popular do personagem principal, visto que o contista conjuga por vezes os verbos em norma culta no decorrer do diálogo interior do personagem e também em seus diálogos reais com o leitor, causando incoerência na representação e delineação artística do protagonista. Nesse caso fica claro: “Aquela água parecia que me revirava por dentro, fazendo-me questionar coisas sobra as quais jamais pensara. Doidera?” É difícil imaginar um personagem popular que tem como palavra comum em seu vocabulário a palavra “doidera” conjugando o verbo pensar no pretérito-mais-que-perfeito.

2. O quinto-parágrafo do conto é sem dúvida alguma o que tem mais beleza artística propriamente dito, são 9 linhas que possuem já uma precoce proximidade do autor com as palavras, produzindo-as com ricas metáforas.

3. É bem peculiar o diálogo do personagem com o leitor, pois há por vezes contatos mais ternos no sentido de o narrador como em uma conversa filosófica jogar por alto o entendimento dele ao leitor e noutras o leitor ser tomado como onisciente quando ele sabe inclusive qual é o dia que se passa o conto, sendo convocado a aceitar a priori o entender do narrador, não em assentir flexivelmente como quando o personagem pergunta ao leitor “Pudesse ser assim?” ou “Não é certo o que eu digo?"
A par desses pontos estruturais, é interessante o constante diálogo interior do personagem com a vida cotidiana e o seu constante distanciamento a ela, em um enveredamento filosófico de conhecer-se a si mesmo e com isso sabendo cada vez mais qual é o seu lugar no mundo, quiçá o seu distanciamento pleno. O personagem reconhecendo aos poucos os sofrimentos pelo quais o pai sofre que tragicamente virá a sofrer, ou melhor, no momento mesmo em que esse reconhecimento passa a se dar as dores advém como intimamente intricadas no entender das dores do pai, é seduzido pela infinita fuga de si mesmo querendo mas não podendo mover-se pois seus pés estão e são imóveis, presos na terra. Momento chave para o personagem que deve ou buscar o desbravamento do mundo desconhecido que ao fim e a cabo muito provavelmente irá consistir em um ceticismo ou acreditar, enfrentando em uma solidão resignada, no profundo e verdadeiro ensinamento de seu pai quando lhe fala: "a mentira tem pernas bonitas, meu filho."

2 comentários:

  1. Gostei muito das análises critico-literárias do Pedro.
    Nunca algum de nós havia feito isso neste espaço, coisa que é muito importante e enriquecedor de se fazer.
    O interessante de tais análises é que, certa vez, em uma conversa informal que tive com o autor (David), eu também já havia lhe comentado exatamente algumas dessas questões, tal como o Pedro comentou... Mas este comentou de maneira a abrir precedentes para que todos possam saber e descutir.

    ResponderExcluir
  2. Pedro, parabéns!!
    Inavador!!
    Continue, amigo!

    Parabéns mais uma vez!

    Abraços

    ResponderExcluir